Grupo, que se debruça nas tensões da homoafetividade e da homossexualidade, resgata texto do dramaturgo que faleceu em 1987 em decorrência da Aids
Na primeira cena de Desmesura – espetáculo que o Teatro Kunyn estreou em maio e continua em temporada neste mês no Centro Cultural São Paulo, capital paulista –, três atores nus propõem ao público uma votação: cada pessoa vai colocar uma bola branca dentro do recipiente em frente àquele artista que ela imagina ser soropositivo. O visível constrangimento de socializar o julgamento já nos desloca uma reflexão dura e necessária sobre o preconceito e os estigmas associados a uma doença que a sociedade ainda silencia.
A peça é inspirada na vida e na obra do ator, desenhista e dramaturgo argentino Raul Taborda, o Copi, falecido em 1987 em decorrência de complicações do HIV/Aids. O jogo proposto entre passado e presente na narrativa que une Copi ao elenco do Kunyn, 30 anos depois da morte dele, coloca em cena um olhar sobre a abordagem da epidemia da síndrome de imunodeficiência – realidade na vida de 36,7 milhões de pessoas no mundo, segundo dados da ONU.
O Kunyn é um grupo cuja pesquisa cênica se debruça nas tensões da homoafetividade e da homossexualidade. Nessa trajetória, surgida em 2010, estão três peças: Dizer e não pedir segredo, Orgia – Ou de como os corpos podem substituir as ideias e Desmesura. Todas elas estruturadas, cada uma à sua maneira, em confissões dos atores para seu público. Da primeira até a mais recente, as obras foram erguendo um discurso sobre descoberta, aceitação e ratificação da sexualidade, tomando como norte vieses e falas de diferentes tons.
Na nova montagem, o mergulho na obra de Copi aponta para um amadurecimento das reflexões do Kunyn sobre ser e estar no mundo, preocupado com a atualidade da fala, sobretudo no que diz respeito à transgeneridade, visibilidade e, mais precisamente, soropositividade. Neste caso, com um olhar pautado pelo sarcasmo, acidez e jocosidade intrínsecos à obra de Copi.
Para o ator e dramaturgo Ronaldo Serruya, que, além de protagonizar a montagem, assina o texto, ao colocar Copi no centro da discussão, levanta-se um questionamento sobre a exclusão do argentino da história do teatro mundial como resultado de preconceito.
“A primeira coisa que me vem à cabeça, ao ‘descobrir’ Copi neste momento, é pensar por que um autor como ele, que foi contemporâneo de vários autores importantes que chegaram, penetraram e se mantiveram no teatro, estudados e montados, não teve esse mesmo espaço nas escolas de formação em teatro”, comenta Serruya. “Existe uma escolha de barrar alguns discursos e de tomar outros como norma. Copi tem uma obra profundamente transgressora para o tempo em que ele escreveu e para o tempo em que a gente vive.”
Leia texto na íntegra na edição impressa da Continente #198, edição de junho de 2017.