Grupo recifense trabalha na montagem do texto de Shakespeare, que não segue à risca estrutura narrativa original, mas mantém carga política
O reino está podre. A cadeira do poder foi surrupiada numa traição orquestrada. Para chegar ao posto, o novo rei assassinou, roubou e enganou. Mas não chegou sozinho, teve o apoio de seus cúmplices; iludiu seus súditos e assumiu o trono. Numa narrativa de inúmeras humanidades, situações de desejo, buscas e egocentrismo, Shakespeare criou Hamlet, uma de suas mais famosas obras, um de seus textos mais lidos e refletidos, não só no teatro, mas em todas as esferas de análise do homem e da sociedade. Com montagens de variadas estéticas e múltiplas abordagens no mundo inteiro, o clássico do bardo inglês agora vai receber nova versão, montada pelo Grupo Magiluth, cuja estreia está prevista para abril deste ano.
Com Hamlet, a companhia recifense novamente mergulha numa dramaturgia consagrada. Há três anos, eles deram uma pausa na investida em textos autorais e adaptaram Viúva, porém honesta, de Nelson Rodrigues, nas comemorações do centenário do anjo pornográfico. Foi um experimento premiado, o qual tensionou a farsa teatral através do jogo cênico construído nos limites do real e do criado, marca da sua linguagem teatral.
Dessa vez, a decisão de tomar o clássico shakespeariano como base para a nova montagem do grupo veio após a leitura de variados textos – muitos deles clássicos. “Durante o processo de montagem de O ano em que sonhamos perigosamente (2015), para chegar ao fragmento que usamos de Tchekhov (o grupo pinçou cenas de O jardim das cerejeiras e as usou na encenação), passamos por outros autores, inclusive Shakespeare”, lembra o ator Giordano Castro. A decisão de escolher Hamlet como uma nova montagem, conta ele, foi do diretor Pedro Wagner.
Não é a primeira vez que a companhia recifense pega nuances do texto do dramaturgo inglês. Em 2010, em Um torto, o Magiluth utilizou Hamlet na dramaturgia. Naquele momento, o grupo se apoderou das questões existenciais do personagem de Shakespeare. “Um torto nos levava a entender o indivíduo. Era uma fase pessoal nossa de querer nos conhecer. Era olhar para nósmesmos. E ali utilizamos um pedaço de Hamlet”, pontua Castro.
Sete anos se passaram daquela experiência e, como observa o ator, os questionamentos do grupo também caminham em outras esferas. Se, antes, o olhar sobre a identidade individual era uma prerrogativa, agora, a reflexão permeia as questões sociais: o indivíduo como parte de um coletivo. “O mundo e a sociedade quebraram muito rápido. Os abusos eram velados; agora, as pessoas não escondem nem os preconceitos. Sabemos quem são nossos inimigos, eles têm nome. O conservadorismo não tem mais medo de se esconder. E Hamlet nos aponta para isso: ele sabe quem é o assassino do pai e pergunta: como lidar com tudo isso? Como agir?”
Leia matéria na íntegra na edição 194 da Revista Continente (Fev 2017)
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Um 'Hamlet' descentrado
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