A visão de que o estético e o político são indissociáveis e a mistura de meios e linguagens – como literatura, teatro e cinema – são marcas do trabalho performático do artista
Em Pintura Modernista, ensaio de 1960 que integra o volume Clement Greenberg e debate crítico, o crítico norte-americano Clement Greenberg, baluarte da arte moderna, afirma que “[a] essência do modernismo […] reside no uso de métodos característicos de uma disciplina, não no intuito de subvertê-la, mas para entrincheirá-la mais firmemente em sua área de competência” [1]. Àquela altura, 1960, a arte da performance já se desenhava, tanto nos Estados Unidos como na Europa, como um gênero artístico híbrido, que antecipava aspectos impuros do pós-modernismo e se constituiria, ao longo das décadas seguintes, como uma “indisciplina artística” (como aponta Tânia Alice, em Performance como revolução dos afetos). No Brasil, artistas pioneiros como Flávio de Carvalho já perfaziam desde os anos 1930 uma obra mestiça, que transitava entre a arquitetura, a pintura, o teatro, a música e experiências que levavam o corpo a embates radicais no cotidiano urbano.
De todo modo, a década que se iniciava quando Greenberg escreveu seu ensaio tenderia a implodir, no bojo da contracultura, os “aspectos essenciais” e os “efeitos exclusivos” de cada campo artístico, levando parte considerável dos artistas, especialmente aqueles ligados à performance, a manter o caráter autorreflexivo da arte moderna, mas a instaurar, a partir de então, uma visão promíscua, tanto no sentido de fundir as linguagens como de diluir as fronteiras entre arte e vida, entre o estético e o político, entre a “cultura genuína” e o kitsch.
O trânsito livre entre arte e vida, o recurso à chamada “baixa cultura”, a visão de que o estético e o político são indissociáveis e a mistura de linguagens são marcas do trabalho performático do artista brasileiro Michel Melamed. Poeta, ator, performer, diretor, cineasta, roteirista, apresentador de TV, Michel despontou para o grande público após o sucesso do espetáculo Regurgitofagia (2004): uma inovadora experiência teatral na qual o ator se colocava no palco como parte de uma engenhoca que transformava estímulos sonoros em descargas elétricas sobre seu corpo. Lá pelas tantas, Michel vomitava – cena quase ilustrativa para uma peça que se propunha criticar o conceito de antropofagia ou, pelo menos, a ponderar quanto à assertiva oswaldiana de que, no cerne da formação cultural brasileira, está nossa vocação para devorar o inimigo.
Leia texto na íntegra na edição 199 da Revista Continente (julho 2017)
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